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Pedro Caiano em discurso directo
 
Pedro Caiano em discurso directo
 
"Faço filmes para serem vistos..."
Pano Cru começou por ser uma BD que o realizador decidiu transformar num filme com actores reais. À conversa com a UZI, Pedro Caiano revela o potencial artístico existente no Porto e os seus novos projectos.

UZI: Olá Caiano, fala-nos um pouco do teu filme, como começou tudo?

PEDRO CAIANO: O Pano Cru começou por ser um projecto de fim de curso em que num espaço de um mês e meio era obrigatório apresentar um argumento para uma curta metragem com a pré-produção já incluída com vista a produzir o filme. Eu como tinha a noção (…) que ia ser um filme de baixo orçamento. (…) Tinha de haver um processo de selecção financeira logo na escolha das histórias. Tinhamos histórias muito boas que logo a partida ficaram excluídas por motivo de dificuldade de produção. (…) Na ausência de histórias originais a BD surgiu como uma boa maneira de termos acesso a story-boards logo à partida, permitindo antever as necessidades de produção. O Pano Cru surgiu como a hipótese mais interessante e divertida de produzir porque tinha muitos cenários e não era uma história baseada em personagens, o que era óptimo porque eu não ia ter tempo de os trabalhar como gostaria. Tinha que ser uma história que se movimentasse à base da acção.

UZI: O trabalho decorreu com o envolvimento do autor da BD?

PC: Sim, houve um trabalho de contacto com o Pedro Brito, o autor da BD, em relação ao nosso interesse de trazer a BD para filme. Na altura ele já o tinha tentado mas não tinha conseguido o subsídio do ICAM e estava a pensar transpor o Pano Cru da BD para filme de animação. O nosso contacto não foi realizado no sentido de fazer um filme profissional, com tudo o que isso envolve (direitos de autor, etc…), mas como projecto de fim de curso sem fins lucrativos.
A partir do momento em que ficou claro que não queriamos ganhar dinheiro com o filme foi muito mais fácil para o artista disponibilizar a história para nós a realizarmos. Após a conclusão da transposição da história da BD para o argumento, enviei-o ao autor. Este remeteu-mo com alguns comentários, mas não pôs entraves à produção. O processo de trabalho com o autor não foi muito extenso, por motivos de tempo e de distância. Após a conclusão do filme foi-lhe enviada uma cópia mas até hoje não recebi nenhuma resposta.

UZI: Como decorreu a produção?

PC: Pedimos um apoio ao ICAM que foi rejeitado. Foi um entrave à produção porque precisavamos de algum capital para por o processo em andamento. A produção ia ser dispendiosa porque envolvia a construção de vários cenários, a criação de guarda roupa, maquilhagem, etc… Queriamos ter bons valores de produção no filme para isso teriamos que gastar o que fosse preciso para que o filme tivesse a melhor qualidade possível. (…) Partimos do zero, não tinhamos dinheiro nenhum, além de um pequeno capital de arranque. Esse capital era dinheiro meu e do produtor, que servia de incentivo para os potenciais investidores verem que já tinhamos algum dinheiro e que só faltava uma parte. Houve bastantes dificuldades em arranjar capital porque vivemos num país onde não é muito habitual empresas particulares financiarem filmes. (…) Fizemos um breakdown exaustivo das necessidades de produção e uma previsão acertada do seu orçamento e tentamos arranjar o que era necessário quer através de parocínios ou de coisas emprestadas. Posso dizer que o processo de produção durou três meses e que só nas duas semanas anteriores ao início da rodagem é que o capital foi assegurado, mas foi muito difícil.

UZI: Foi fácil produzir no Porto?

PC: Eu acredito que deve ser mais fácil que em Lisboa, poque havendo menos onde procurar, se calhar mais depressa encontras o que precisas. Nós muitas vezes no primeiro contacto encontravamos o que precisavamos, o que nos permitia passar mais rapidamente a fase seguinte. (…) Sendo o Porto uma cidade artística, com um forte movimento artistico underground,(…) existe um interesse em ajudar o prôximo a produzir e a conseguir. Tivemos a ajuda de imensas pessoas aqui, sem pedirem contrapartidas (…). Isso revela um grande potencial nesta cidade para produzir filmes.

UZI: O que achas que é necessário criar no Porto para que seja possível aos jovens criadores produzirem com mais facilidade e mais frequência curtas metragens.

PC: Acima de tudo interessse. Uma instituição que facilite o acesso aos meios de produção (…), Não temos uma infra-estructura de criação que possibilite que sejam produzidos filmes uns atrás dos outros. … feito um filme isoladamente e depois a equipa espalha-se. Não é aproveitada a base de dados de informação que foi criada ou os contactos desenvolvidos pela mesma. Não existe um movimento que permita a partilha de informações entre equipes, realizadores, criadores e pessoas do mesmo meio.(…) Eu saí da universidade há dois anos e praticamente perdi todos os contactos que tinha de quem eu achava que faziam parte do movimento cinematográfico do Porto. Era a realidade que eu tinha acesso na altura, (…) Foram feitas mais duas curtas metragens a seguir ao Pano Cru, pela mesma equipa. Achei isso extremamente motivador. Demonstrou que uma vez criada (…) uma base de produção, de contactos e de equipe permitiu tornar mais fácil a vida a que veio a seguir.(…) Bastava existir um Institudo de Cinema que possibilitasse o acesso a equipamento, a contactos e informação de jovens criadores da mesma área para que o efeito bola de neve pudesse ser maior.

UZI: Após a conclusão de um filme é necessário distribuí-lo. Encontras facilmente canais para o distribuir, para o poder mostrar?

PC: Não. Não há um mercado de compra e venda de curtas metragens . Parte da iniciativa do realizador e do produtor do filme manda-lo para os festivais. É o único canal de distribuição de curtas metragens, não existe mais nenhum. (…) Era interessante criar-se uma colectânea anual de curtas metragens, fazer como se faz nas outras áreas artísticas, criar um catálogo com tudo o que foi feito.

UZI: Planos para o futuro?

PC: Estou a escrever um argumento de uma longa metragem de ficção, que quero produzir dentro de um ano sobre Portugal contemporâneo, sobre a juventude e como está perdida nesta sociedade de consumo. Há que criar em Portugal projectos visíveis. Esses projectos passam pela história. Nós fazemos filmes em português e somos um país pequeno.O único mercado para o nosso cinema é o mercado da língua Portuguesa. Esse mercado é o Brasil, os países africanos de língua portuguesa e Portugal. Se a história não interessar à maioria das pessoas, é muito difícil fazer um filme e depois fazer outro. Se o primeiro não foi rentável, dificilmente farás outro a seguir. A minha postura como realizador - eu faço filmes para serem vistos pelo público. (JC)
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