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Wanda
 
Wanda
 
SINOPSE

Casada com um mineiro da Pensilvânia e mãe de duas crianças, Wanda não trata deles, nem da casa, e passa a maior parte do dia no sofá da sala, em roupão, chinelos e rolos no cabelo.
Sem desejos, motivações ou força de carácter, Wanda deixa que o marido peça o divórcio e fique com a custódia dos filhos.
Sozinha, sem casa, nem dinheiro, Wanda erra sem destino. Até que acaba por conhecer um ladrão, Dennis, de quem se torna amante e cúmplice.

SOBRE BARBARA LODEN
O seu trabalho como actriz fazia com que nenhum guião fosse definitivo. Para ela existia sempre um elemento de improvisation (digo-o em inglês por ser mais exacto). Havia sempre improvisation no que ela fazia, era sempre uma surpresa. O único a ser também exactamente assim foi Brando, quando era novo. Ele nunca sabia exactamente o que ia dizer, por isso tudo saía verdadeiro da sua boca. (...)
Ela representa no filme uma personagem que temos na América e que existe, suponho eu, em França e em todo o lado, a que chamamos floating (vagabundo). Uma mulher que flutua à superfície da sociedade, ao sabor da corrente. Mas, na história deste filme, o homem que ela encontra precisa dela. Durante alguns dias ela tem uma direcção e, no fim, quando ele morre, ela regressa à sua errância. Ela compreendia a personagem muito bem, porque quando era nova, era um pouco assim. Disse-me uma vez uma coisa muito triste: “Preciso de um homem para me defender”. Acho que a maioria das mulheres sabe o que isto é, mas não tem honestidade suficiente para o admitir. E ela dizia-o com tristeza.
ELIA KAZAN
[em conversa com Marguerite Duras sobre Barbara Loden – Declarações recolhidas por Serge Daney, Jean Narboni e Dominique Villain, CAHIERS DU CINÉMA, Dezembro de 1980]

Acho que há um milagre em Wanda. Normalmente existe uma distância entre a representação e o texto, e o sujeito e a acção. Aqui esta distância é completamente anulada. Há uma coincidência imediata e definitiva entre Barbara Loden e Wanda.
MARGUERITE DURAS
[em conversa com Elia Kazan sobre Barbara Loden – Declarações recolhidas por Serge Daney, Jean Narboni e Dominique Villain, CAHIERS DU CINÉMA, Dezembro de 1980]

WANDA é uma obra-prima. Se Barbara Loden nos emociona é porque é um anjo que nos conta a sua balada solitária no país dos homens. É a sua “Noite do Caçador”, uma noite que nos ilumina.
Foi uma surpresa para mim – descobri um filme extraordinário, extraordinariamente comovente, e sem cair em lugares-comuns. Podemos dizer verdadeiramente que é moderno, ou actual – tanto podia ter sido feito hoje, como há 30 anos. Não é nada datado.
ISABELLE HUPPERT
[actriz, uma das responsáveis pela reposição de Wanda, o ano passado, em França]

CRÍTICAS

Alguns dariam a obra inteira de Elia Kazan pelo único filme realizado pela mulher Barbara Loden. WANDA (1970) continua a ser um filme desconhecido apesar de oferecer o retrato mais perturbador do cinema dos anos 70, com as mulheres sob a influência de Cassavetes. Realizado com um pequeníssimo orçamento, sem luz, sem guarda-roupa (a personagem masculina a vestir velhas roupas de Kazan), com a ajuda de Nicholas Proferes, formado pelo cinema-verdade de Leacock, nos anos 60, que trata tanto da fotografia como da montagem, WANDA é um tiro sobre o romantismo glamouroso de Hollywood, um negativo violento de todos os Bonnie and Clyde do mundo. A personagem de Wanda permanece uma figura magnífica. (...)
Ela é o tramp, o vagabundo, rejeitado pelas ordens sociais (o que lhe dá um poder crítico considerável: o burlesco) e forçada a viver uma vida à flor do sol, perto dos dejectos, sem domicílio fixo. Mas o tramp, o vagabundo, é pela primeira vez uma mulher. E isso muda tudo. (...) Socialmente é uma mulher indigna: quando sai da cama, ela já deixou tudo: o marido e os filhos. Tem de ir ao tribunal por causa do divórcio, mas chega atrasada, hesitante e indiferente (falando do marido: “se ele quer o divórcio, de-lho.”). Wanda está longe de ser uma mulher contestatária, uma rebelde, que afirma os seus desejos de toda a independência. Este retrato complexo pulveriza as outras mulheres “libertadas” dos anos 70. (...) Com WANDA, tudo é muito mais complicado: ela parece livre e ao mesmo tempo comporta-se como uma verdadeira parasita. Ela agarra-se como pode aos homens com quem se cruza no caminho e torna-se um peso morto. E aí encontra o mestre, Mister Dennis (trata-o por “senhor” como uma criança), um looser, um ladrão desajeitado. O filme decorre à medida da preparação de um assalto, falhado à partida, num grande banco, demasiado grande para eles. Mister Dennis trata-a como um cão. E na verdade ela parece um bocado estúpida. A grande ideia de Barbara Loden foi ter feito de WANDA uma personagem cómica. Ela passeia por uma parte do filme com rolos no cabelo. Fala com uma voz nasalada, frase entrecortada por soluços como se fossem pequenas síncopes. Na primeira refeição com Mister Dennis, ela nem repara que ele acabou de cometer um assalto, ou ela brinca. No entanto, comer o molho com o pão agrada-lhe enormemente.
WANDA não é indiferente, ela está simplesmente disponível. Ela flutua, espera que alguém lhe pegue (também sexualmente), espera que lhe confiem algo.
Primeiro está reticente quando Mister Dennis a empurra para o assalto, chega mesmo a recusar, chegando mesmo também a mostrar uma firmeza moral que até aí não se lhe conhecia. Depois, ele ralha com ela: “Podes não ter feito nada na tua vida, mas vais fazer isto”. Aí , ela sente que tem uma missão, que vai cumprir, orgulhosamente. Ela quer dar o seu melhor. Um laço muito discreto une os dois, longe da fúria dos amantes em fuga que atravessam o cinema americano. É um casal improvável, mas um casal mesmo assim.
Barbara Loden estava à frente do seu tempo: na inteligência, na denúncia da alienação feminina (Wanda só se pode definir em relação a um homem) e na sua exigência de inventar uma figura que não corresponde a nada que exista nem no cinema nem nos manuais de sociologia. Pois há um momento em que temos de nos render às evidências e dizer que Wanda nem sequer é uma mulher. Cada cena vem provar a sua nulidade, Wanda é uma pequena coisa sem utilidade. Ela faz-se à estrada porque não é boa em nada (“não sou boa”, repete ela no filme). Ela é despedida do trabalho porque não é suficientemente rápida. Ela nem chega a ser “uma cidadã americana”, diz-lhe Mister Dennis. Ela retirou-se do mundo dos vivos. (...)
Quem é WANDA? Apenas uma figura negativa? No one? A imagem final envolve numa auréola esta “singularidade qualquer” sem identidade, na linha dos anjos, dessas grandes figuras como Bartleby ou os hérois de Robert Walser. Duras não se enganou quando falou de “glória” nesta “queda”; nem Godard que vê “esplendor” nesta “miséria”: na sua edição de “Histoire(s) du Cinéma sob estas duas palavras, ele põe lado a lado o rosto de Wanda e de Joana D’Arc de Bresson”. A pequena Wanda é ao mesmo tempo uma alienada, uma idiota, uma mulher livre, um clown, um anjo, uma cadela. Na última sequência encontramo-la num bar, no meio de desconhecidos, eternizada com um cigarro na mão, a cabeça baixa. Gesto simples, de uma compaixão infinita. Wanda é uma santa.
Stéphane Delorme, CAHIERS DU CINÉMA, Julho-Agosto de 2003

Uma mulher loira acorda a custo numa casa miserável. Vestida de branco, rolos no cabelo, atravessa a paisagem, pequeno ponto claro na terra negra de carvão, astronauta perdido no meio das cinzas lunares. Onde vai Wanda tão perdida? Divorciar-se sem protestar, abandonar sem combate os filhos ao pai, antes de partir numa deambulação pela América, que a realizadora pinta sem qualquer traço de folclore, oferecendo a imagem de um país sem alma. Wanda encontra de seguida “Mr.Dennis” (Michael Higgins, formidável, uma espécie de Groucho Marx sem ser cómico), um ladrão que transpira angústia, cerveja, mediocridade e que se recusa a exprimir o menor sentimento. Mr.Dennis vai pegar em Wanda, o que não é muito difícil, e voltar a dar-lhe um rosto um pouco mais humano, o que não lhe pode fazer mal. Porque Wanda não tem força, é uma estrangeira no mundo, um Bartleby no feminino. Ela acha que está morta, é uma nulidade, estúpida. Estes anti-heróis, Bonnie e Clyde antonianos, Zampano e Gelsomina do Oeste, preparam um golpe. Cobarde, é claro. WANDA é um grito de desespero mudo, um auto-retrato bem mais violento por ser contido, um retrato de uma mulher angustiada sem concessões, uma descrição dos excluídos do capitalismo. Uma obra-prima intemporal.
Jean-Baptiste Morain, LES INROCKUPTIBLES

É um belíssimo road movie dentro da produção independente americana, que descreve através de uma personagem, uma looser errante, uma América de miséria e derrota. Loden foi aluna de Kazan no Actor’s Studio e com ele trabalhou como actriz em “Wild River” (1960), o seu segundo filme, e em “Splendor in the Grass” (1961), em que fazia de irmã perdida de Warren Beatty. Três anos depois casou com Kazan e com ele ainda trabalhou como colaboradora nos argumentos de “The Arrangement” e “The Visitors”, para além do seu trabalho como actriz de teatro e autora de algumas peças teatrais.
Em 1970 realizou este seu único filme. Cujo argumento de parceria com Nick Proferes, com quem trabalhou em vários argumentos. É também a intérprete (e que interpretação!) de WANDA.
Faleceu em 1980 com apenas 48 anos mas deixou-nos este filme que é um retrato frágil e singular, magnífico e vigoroso de uma sociedade triste e pardacenta, indiferente aos loosers que ela própria criou e que não se encaixam no American Way of Life.
Manuel Mozos, FOLHAS DA CINEMATECA, 13 de Maio de 2004
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