|
|
|
index » cinema » comentários |
|
|
|
|
Imagens da Viagem |
|
Nos Estado Unidos da América, o ano de 1971 é comummente referido como o Ano Louco. Enquanto meia nação ressacava do “Summer of Love” de há dois anos, um terramoto devastava Los Angeles. Na capital, o tal sítio do Capitólio, são detidos 12.000 militantes pacifistas que protestavam contra a Guerra do Vietname. Longe, numa banheira em Paris, aparecia morto um dos que dava mais viva voz aos filhos renegados do governo americano - Jim Morrison.
Antes do ano acabar, e antes de “Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, classificado como “ultra-violento” pelas autoridades, ter ganho o prémio de melhor filme pela Associação de Críticos de Cinema de Nova Iorque, e antes de a revista Time ter considerado Richard Nixon, o presidente escandaloso, como o “Homem do Ano”, era publicado o número 95 da revista Rolling Stone, a edição comemorativo do quarto aniversário. Na capa destacava-se a história “Fear and Loathing in Las vegas”, assinada por Raoul Duke, alter-ego do jornalista e escritor Hunter S. Thompson. A história, publicada em Outubro desse ano louco e mais tarde editada em livro, tinha-se passado em Abril, quando Hunter e o advogado e activista samoano Óscar Zeta Acosta rumaram a Las Vegas, a bordo de um descapotável vermelho a que chamavam “The Red Shark”. Como se costuma dizer, o resto é história e esta deu um filme.
Realizado por Terry Gilliam, autor de “Rei Pescador” e “Brasil”, e também um ilustre membro dos Monthy Phyton (são dele, por exemplo, as animações), “Delírio em Las Vegas” é um filme que qualquer intrépido cinéfilo consome vezes sem conta.
Neste “road-movie”, ou “trip-movie”, se quiserem, uma viagem misteriosa à cidade do jogo serve de pretexto para se narrar a transformação do propalado sonho americano num imenso pesadelo, grotesco. As vibrações e os estados de espírito que povoam o filme oscilam a uma vertiginosa velocidade entre o horror e o riso, entre a agonia e a hilaridade. Enfim, nada que uma mala, transportada pelos protagonistas, pejada de ácidos, cocaína, éter, mescalina, erva e comprimidos de muitas cores não proporcione.
E que protagonistas são estes? Um Johnny Depp calvo e um Benicio Del Toro de barriga farta. Depp, o melhor actor vivo, é o próprio Raoul Duke, de cigarro enfiado numa boquilha arrumada num canto da boca e membros superiores com visíveis dificuldades de coordenação motora, faz da sua representação um verdadeiro exercício de resistência. Uma alucinação. Tal como, de resto, Benicio, que transpira selvajaria por cada grama a mais que incorpora na pele de Óscar Zeta Acosta. Juntos, conseguem neste filme uma quantidade impressionante de cenas de antologia da história do cinema. A “decorar” quartos de hotel ou delirando nos casinos frequentados pelas felizes famílias americanas, os dois são inesquecíveis.
Mas, sendo este um filme do chamado “cinema de autor”, não se pode menosprezar o dito. Porque Terry Gilliam é o hábil criador de um admirável mundo novo, o artífice dos ambientes delirantes e da Las Vegas fantasmagórica. Da cena inicial até à derradeira, as imagens são todas devidamente tratadas de forma a parecerem uma alucinação constante - distorcida e bela. As cores e as texturas, os ângulos de filmagem, os planos, a cenografia - tudo se conjuga e interage como nos sonhos. Ou melhor, nos pesadelos.
Numa breve vigília num quarto de hotel, antes do sono se metamorfosear no pesadelo, Raoul Duke escreve no seu caderno de apontamentos: “Havia loucura em todas as direcções, a todas as horas. Podíamos acender charros em todo o lado. Havia um fantástico sentimento universal de estarmos a agir bem, de estarmos a ganhar. E penso que isso era a forma de lidar com um sentimento de inevitável vitória sobre as antiquadas forças do mal, não num sentido militar ou mesquinho. Não precisávamos disso. A nossa energia triunfaria, simplesmente. Tínhamos todo o ímpeto. Estávamos na crista de uma alta e belíssima onda.”
Experimentem.(HP) « |
|
Título |
Delírio em Las Vegas |
Realizador |
Terry Gilliam |
Actores |
Johnny Depp, Benicio Del Toro, Tobey Maguire, Ellen Barkin, Gary Busey, Christina Ricci, Mark Harmon, Cameron Diaz. |
Ano |
1998 |
Guião |
www.dailyscript.com/scripts/fearandloathing |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|