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“Belleville Rendez Vous” e improváveis analogias |
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Lá está. É daquelas coisas. Alguém me explica a paixão perfeitamente desmedida (pleonasmo, eu sei) dos franceses pelas bicicletas? Pois, ninguém me explica porque as paixões não se explicam. Sentem-se, não é?
Pois este “Bellevile Rendez Vous”, co-produção francesa, belga, canadiana e britânica de 2003, realizada por Sylvain Chomet, tem como pano de fundo precisamente essa paixão e a competição velocipédica mais famosa a nível mundial: o Tour de France. Depois mete “É uma casa portuguesa com certeza”, máfia francesa, vinho tinto e outras (muitas) coisas mais.
O filme conta a história de uma avó -a portuguesa senhora Souza - que cria sozinha o neto - Champion, lê-se numa fotografia onde posa ao lado do fiel amigo, Bruno. Um cão, note-se. Bruno, que por vezes parece perguntar por que raio lhe foi calhar aqueles donos, comprova a teoria segundo a qual os cães tendem a assumir a personalidade dos seus donos (dir-se-ia peculiar, a personalidade dos donos) e, voilá, conta os segundos para subir ao primeiro andar da casa onde moram e ladrar veementemente (não sabem o que é ladrar veementemente? Vão ver o filme) à passagem do combóio que passa a um metro da janela, hábito que acabará por lhe provocar penosos pesadelos. Hilariante!
Filme praticamente sem diálogos, vive, como se depreende, da fantástica expressividade dos personagens e da mais internacional das linguagens: a não verbal. E de (muitos) pormenores. Como aquele em que, num momento televisivo, vislumbra-se Jacques Tatti, não se tratasse de França e de bicicletas! Num repente, o carismático actor/realizador francês surge pedalando numa passagem do mágico e obrigatório “Há festa na aldeia” do qual é protagonista e realizador e que representa um autêntico ícone cinematográfico. Adiante.
Pois a avó Souza treina desde tenra idade o neto Champion com uma dedicação e disciplina verdadeiramente notáveis, quase obsessivas, características não muito abundantes em genes lusitanos. Mas assim como as bruxas, que los hay, hay. Quem diria que a pequena velhota portuguesa (a quem não falta sequer um ligeiro buço...) faria do pequeno e mole Champion, um atleta de um físico notável?
Inicia-se então a épica jornada do Tour. É aí que entra a máfia francesa - há uma máfia francesa? - que rapta três ciclistas em plena prova, entre os quais Champion. Dopando-os de vinho tinto (o padrinho francês ostenta um esponjoso e vermelhusco nariz que denuncia o ramo de negócio que controla), os “maus” utilizam os atletas num esquema de jogo clandestino. Colocam-nos em cima de bicicletas estáticas e projectam numa tela imagens de caminhos e estradas, fazendo os atletas pensar, potenciados pelo efeito do vinho, que estão, de facto, a competir.
Num anfiteatro repleto, dezenas de homens fazem apostas. Quem fica pelo caminho, esgotado, tem um triste destino.
Eis que de repente, a ver aquela cena, veio-me imediatamente à cabeça as célebres imagens de “O Caçador”, de Michael Cimino. Estão a ver? Nick, o fabuloso Christopher Walken, com os braços pretos da droga que começaram por lhe injectar, jogando absurdamente à roleta russa, numa sala repleta que apostava em quem era o primeiro a meter uma bala na cabeça e quem se salvava, em imagens, também estas, que fazem parte da história da Sétima Arte. Salvaguardem-se as evidentes e devidas proporções e quem já viu o épico de Cimino diga-me qualquer coisa depois.
Já me alongo. Vão ver. A não perder. (G.S.) « |
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