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Adolfo Luxúria Canibal em discurso directo |
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Adolfo Luxúria Canibal, líder, vocalista e letrista dos mão morta fala da geração lisérgica bracarense, que é o mote do novo álbum “nús”, editado pela cobra no passado dia 13 de abril. à parte disso, explica-nos o conceito por detrás do tema “gumes”, fala-nos das colaborações com novos músicos e cantores, resumindo, também, as razões pelas quais a banda continua a ser seguida de perto por uma fiel audiência. “nús” é a prova da vitalidade e energia dos mão morta, que completam agora 20 anos de existência.
UZI - Gostaria que falássemos do novo disco a partir do “Uivo”, de certa forma a espinha dorsal do disco...
Adolfo - O disco tem tudo a ver com o “Uivo”. A base de partida para o disco foi, de certo modo, a ideia de fazermos o nosso próprio “Uivo”. Pegámos em duas ideias constantes dele, que é a ideia de retrato geracional, em termos temáticos. Por outro lado, a constatação desse retrato por sobreposição de quadros, histórias, cenas. Foi assim que partimos para o “Nús”. Não com o objectivo de fazer uma obra literária, como é o caso do original de Allen Ginsberg, mas uma obra musical. Cada qual foi para o seu canto trabalhar, os temas, criar. O Miguel Pedro fez o tema longo, o “Gumes”, que é a espinha dorsal, que engloba em si todas estas características. A sua elaboração, quer a nível de letra quer a nível de construção é já um trabalho de sobreposição.
U - É daqui que parte o disco?
A - Este trabalho, as músicas foram sendo feitas ao mesmo tempo que “Gumes”. Algumas desenvolveram-se, outras foram feitas até antes do “Gumes”. Estes temas acabam por funcionar como desenvolvimentos ou sublinhados de coisas que já estão afloradas no tema central, digamos.
U - Em relação à temática, o retrato geracional, como é que ele reflecte a geração efervescente de Braga em meados de 80?
A - A capa do disco contém a frase do “Uivo” de Ginsberg: “ Vi os melhores espíritos da minha geração destruídos pela loucura, esfomeados, histéricos, nús”. Aqui a ideia também foi pegar nos melhores espíritos da nossa geração, aqueles que não se comformaram com o “status quo” bracarense da época, e que pegaram em mãos, pelo menos, a mudança desse “status” em relação à própria vida. O que deu frutos, nomeadamente nos anos 80. Foi toda aquela geração mítica, a da “movida” bracarense de meados da década. Que ainda se compunha de uma centena de pessoas, talvez umas trinta mais activas, Talvez. Mas todos mexeram com muita gente.
É um bocado sobrepôr várias pessoas que viveram nesta cidade nessa época com as suas experiências, e cuja soma dá esse retrato de uma geração que foi até ao fim da sua vontade, que transformou o seu sonho em realidade e que depois, como todas as gerações, acaba por sofrer o choque com a sociedade, mais cedo ou mais tarde.
U - Pode-se dizer que é um disco conceptual?
A - Não gosto de lhe chamar um disco conceptual. Senão, o que chamaria ao “Latrina”, ou ao “Muller”?...
U - Mas tem um conceito por trás...
A - Todos os discos dos Mão Morta têm um conceito por trás, porque precisamos de trabalhar assim. Mas este está no meio caminho entre o disco com uma ideia muito forte , que era por exemplo, o “Primavera de destroços” e um disco em que cada tema fala por si, é individual, o que não acontece com os discos verdadeiramente conceptuais, como o “Latrina”. A sua leitura só é real colocada no sítio onde estava e vista como um todo. Aqui, agora, qualquer tema oferece uma leitura auto-suficiente.
U - Em relação à sonoridade, o que está diferente, o que foi introduzido, o que trouxeram os colaboradores ( Marta Ren, Miguel Guedes, Pedro Laginha , secções de cordas, Nelson Carvalho) ?
A - Como é um disco com “cut ups”, conseguimos jogar com uma sobreposição de vários estilos. Por exemplo, necessitávamos de uma voz forte, poderosa para um refrão( de “Gnoma”) convidámos o Miguel Guedes. Achámos que iria reforçar a minha vocalização. Por outro lado, a Marta Ren ( “Gumes 5”) veio acrescentar uma vocalização mais melódica à minha própria vocalização, que é mais seca, grave. As cordas, com os arranjos do Miguel Pedro, vieram também criar ambientes mais melodiosos e também mais dinâmicos. O Pedro Laginha divide comigo o tema “Gumes 7” e participa também nos coros de “Estilo” e “Vertigem”.
O “cut up”...( método introduzido pelo Conde de Lautréamont e mais tarde desenvolvido também por William S. Burroughs e pela geração Beatnick) Foi esse o método de composição adoptado?
Utilizámos mais o método de sobreposição. O “Gumes foi desenvolvido em Sobreposição, tal como outros temas. Não chegámos a fazer cortes nem colagens. O que não está lá nunca existiu. O “Morgue” passa por uma sobreposição de estrturas de dedilhados de guitarra, há ali uma sobreposição em “cut up”, por acaso. Trata-se de frases circulares que, sobrepostas, criam a densidade de um tema.
U - Como se dividiram as tarefas dentro da banda em relação à construção do àlbum?
A - É sempre um trabalho singular. Depois há o trabalho com a banda. Quase desde o início foi assim. Trata-se de um grupo de pessoas que estão dispersas geograficamente, não trabalha numa sala de ensaios. Cada qual desenvolve as suas ideias e depois apresenta à banda, para esta poder intervir de alguma forma.
Neste caso, o Miguel Pedro tem 2 temas, o “Gumes” e o “Gnoma”, o primeiro single. O Rafael tem três temas, “Estilo”, Vertigem” e “Tornados”. O Vasco fez “Cárcere”, que é, aliás, a sua estreia a compor para os Mão Morta e “Morgue” é da autoria Sapo. Eu assino todas as letras.
U - Em relação à apresentação de “Nús”, como vai esta decorrer? Vão poder contar com estes recentes colaboradores?
A - Vamos fazer a primeira data de apresentação em Braga, com a Marta Ren, o Miguel Guedes, possivelmente o Pedro Laginha e os restantes músicos. Há também uma novidade, vamos introduzir uma terceira guitarra, que será tocada pelo Nelson Carvalho, que possivelmente fará os concertos com a banda(N.R: Nelson Carvalho é também o produtor do disco, sendo já a sua quarta colaboração com a banda a este nível.), juntamente com os restantes músicos que, por uma questão de logística só nos acompanharão, em princípio, neste concerto.
U - Como mantêm os Mão Morta este público fixo, sendo uma banda relativamente “Underground”, enquanto foram, aqui e ali, mudando certos aspectos da vossa sonoridade? Como se explica o facto de, continuando a fazer álbuns com constantes de ideias fortes, continuem a prender as atenções do público e da imprensa?
A - Dar uma explicação definitiva, não sei. Posso especular...
Eu acho que tem uma bocado a ver com a nossa integridade, com uma certa coerência, tem a ver com o facto de fazermos aquilo que queremos, de não fazermos cedências e de acarretarmos as consequências disso mesmo, dessa postura. O facto de a intensidade dos MM, quer ao vivo quer da própria música gravada deixar uma marca; Nós não somos uma banda de grande público. Somos músicos de um público, de certo modo, restrito, que se identifica e cresceu connosco, que chegou até nós ainda jovem e que ainda hoje nos acompanha. Mas são, sobretudo, minorias que se são tocadas por uma intensidade e por uma verdade que são incorruptas. As pessoas revêem-se nessa incorruptibilidade.
U - Os Mão Morta completam neste momento 20 anos de existência. Sem querer olhar para trás, como pensam assinalar a data?
A - Chegámos até aqui e nem nos apercebemos disso. A banda já passou por muitos momentos diferentes, agora, mostra-se com uma vitalidade que está presente no novo disco, por exemplo. Volvidos estes anos, os Mão Morta estão em plena actividade, vão dar muitos concertos este ano, está a ser preparada uma colectânea, em Lisboa, de homenagem aos Mão Morta, com a ajuda do Miguel Pedro, foi lançada pelo Vítor Junqueira uma biografia oficial, temos um novo disco... Acho que não há melhor maneira de mostrar que estamos vivos, activos, atentos.(Pinto)
Os Mão Morta apresentam o novo álbum “Nús” e iniciam a digressão (que vai passar ainda pelo Porto, Bragança, Lisboa, e outras cidades ) no Parque de Exposições de Braga, (outra coisa não seria de esperar, sendo que o álbum é um retrato da “geração lisérgica” de Braga), com todos os músicos que colaboraram na feitura do disco, dia 29 de Abril, pelas 22 h. no Auditório do Parque de Exposições. « |
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